QUANDO NOS FALTA O TEMPO

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Texto: Daniel Maciel

Vinte e quatro horas, das quais passamos pelo menos oito horas dormindo. Dos demais dividimos entre trabalho, alimentação e outras atividades, isto é, quando temos tempo. Na maioria das vezes, não temos tempo.


O tempo, tão impessoal em seu ciclo contínuo sempre nos dá oportunidade para recomeçar, mas geralmente não aproveitamos estas repetidas ocasiões. Nas vinte e quatro horas que temos, o tempo não passa, nós passamos, na verdade fluímos entre os ponteiros vários, as ampulhetas, os displays digitais, e nos tantos aparelhos eletrônicos, computadores, celulares e afins não percebemos que estamos passando e que eles insistem em nos mostrar que o que mais nos falta é tempo. Nem sequer queremos perceber que o tempo existe e está lá para que valorizemos as coisas mais importantes da vida. A despeito do mundo tecnológico, com seu ritmo veloz de trabalho imposto a todos nós, vis mortais, nós que lutamos pela sobrevivência, apesar de toda pressa o dia continua tendo vinte e quatro horas, nem mais, nem menos. O mundo pós-moderno, com suas exigências, competitividades, tão inumano como a máquina, este mundo que exige velocidade, suas máquinas e seus sistemas fazem de nós apressados, gente que corre como se a forma do mundo girar tivesse mudado, mas as leis do universo não mudaram: lentamente, a cada giro do planeta em torno de si mesmo e passando de largo ao redor do sol o tempo do universo continua o mesmo.
Este ritmo veloz de vida, que a humanidade mesma construiu, na busca insana por alcançar o inalcançável, por lucrar mais, por mais conforto, no anseio de encurtar as distâncias, na busca pelo devir, não mudou a essência das coisas. Viajando mais veloz, voando mais rápido, conectando muito mais antes, projetando-se além, disparado em tantos avanços, na essência da vida pouco mudou: agora temos tudo, mas não temos tempo para as coisas mais simples da vida. A desculpa mais usual é: não tenho tempo, não tive tempo, não terei tempo. Na contramão da natureza rodamos mais velozes em torno do nosso próprio eixo e em relação aos demais impomos um ritmo de competição para ver quem corre mais, que faz mais, quem mais realiza, implementa e esquecemos que a mais pequenina flor que cresce esquecida entre as gramas, cresce lentamente, no ritmo de antes, sem permitir que a interferência do mundo moderno e sua ânsia por mais aumente seu ritmo, pelo contrário, a cada segundo, cresce centímetro a centímetro até torna-se bela, pronta para ser colhida ou observada. O tempo que sobra para a flor falta para nós.
Não temos tempo para amar, para plantar um jardim, para nadar; não temos tempo para nada. Alguns se perdem nos seus afazeres e quanto erguem os olhos o sol já tem se posto, as estrelas já perderam seu brilho, a brisa já cessou. O sorriso do filho passa despercebido, o coração aquecido do amor não é notado, as lágrimas de solidão não são percebidas. Falta tempo para sorrir, para perdoar, falta tempo para entender, para decifrar os mistérios da alma humana, não como parar para dedicar minutos preciosos no leve roçar de mãos que não sejam por interesse, cuja motivação não seja apenas se dar bem na vida, crescer profissionalmente ou derrubar o próximo na subida. O relógio corre na ambição individual de cada um, em uma miragem que criamos em nossa própria imaginação, miragem de que com o passar dos anos, séculos e milênios, as voltas que o mundo dá tivesse ficado menores, como se o sol se posse muito mais rápido que antes e não é isso que acontece: a lentidão do cosmos é a mesma, o universo não mudou, apenas que mudou foi à humanidade.
Os méritos do mundo moderno não devem servir de desculpas para justificar tamanha falta cometida por cada um de nós na luta pela sobrevivência. Mas há quem conserte isto? Há quem mude o modo de pensar e não seja considerado louco? Há quem pare para ouvir qualquer outra voz que não seja: Corra! Corra! Se não você não vai conseguir. Falta tempo para os filhos, pra brincar, cantar uma canção de ninar, recitar uma poesia, ou decorar um texto sagrado. Não dá tempo para voltar atrás, reconstruir o que foi destruído, perceber que o ritmo é o mesmo, o ritmo da alma é diferente do ritmo das máquinas, dos lucros, da competição.
Não dá para segurar o ponteiro do relógio, e mesmo se desse não adiantaria de nada, o tempo continuaria passando segundo a segundo. Se não podemos para o tempo, temos nós mesmos que parar, dá uma “pause” um “stop”, como acostumados estamos em tantos termos ligados à tecnologia que nos prende e nos alimenta com suas tetas mecanizadas, virtuais e viciantes. Não é o tempo que tem que parar: somos nós. Seja um segundo, um minuto, uma hora ou um dia: somos nós que temos que parar, respirar fundo e se não pudemos fazer parar o ritmo do mundo capitalista e seus afazeres, se não pudermos parar a velocidade com que o sol nasce e se põe, temos que pelo menos adequar a velocidade da loucura do mundo pós-moderno ao compasso de um coração que ama e que consegue entender que nada mudou além, tudo continua indo e voltando no ritmo da vida.

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