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*ARTHUR VIRGÍLIO

A LIÇÃO JAPONESA, belo artigo da Monja Coen, que morou 12 anos no Japão em treinamento monástico na tradição Soto zen-budista, descreve três fundamentos morais que bem explicam porque a pequena ilha logrou alcançar desenvolvimento econômico, tecnológico e social tão relevante.

Começa pelo “kokoro”, que significa a prevalência do coletivo sobre o individual. Colocar-se a serviço das pessoas. Romper com o egoísmo. Ampliar a generosidade.

Explica o “gaman”: suportar vicissitudes, vencer dificuldades. Fazer da dor uma alavanca para a reconstrução e da derrota um estímulo para a vitória.

Finaliza com o “sumimasen”, humildade altiva, pedido de desculpas que, às vezes, é sutil maneira de marcar posição. Exemplifica com casal de americanos num avião que, percebendo pessoas sentadas nos lugares que haviam reservado, aprontou escândalo à base do “temos direito, saiam daqui” e por aí afora. Minutos após, um casal de japoneses se depara com idêntica situação e reage educadamente: “sumimasen, será que nos enganamos?”

Acrescento mais dois princípios: “gimu”, dever moral, senso de responsabilidade. E “orei”, que expressa a gratidão. Lembro-me do provérbio árabe: “por que me odeias tanto? Será que te fiz algum favor?”. Logo, a gratidão não é sentimento tão corriqueiro quanto gostaríamos que fosse. É virtude a ser registrada.

Eis porque o flagelo triplo (terremoto, tsunami e crise nuclear) não levou japoneses a saquear armazens ou sequer furar filas de banhos ou refeições. A disciplina e o senso moral, aprendidos desde a infância, foram anteparos a uma selvageria que teria espaço se a cultura prevalecente fosse a do individualismo.

Os 350 voluntários, que lutam denodadamente nas usinas de Fukushima, já estão contaminados pela irradiação. Ofereceram-se sabendo que em meses estariam mortos. Honrarão suas famílias gerações afora, assim como os covardes transmitem a desonra secularmente.

E o líder dos 50 samurais, humilhantemente repreendido pelo suserano na frente de toda a aldeia? Fez imediatamente o harakiri. Seus guerreiros não reagiram, porque a desvantagem numérica os manietava. Tampouco repetiram o gesto estóico do chefe.

Passaram a frequentar prostíbulos, a simular bebedeiras. Passaram a ser vistos como homens desmoralizados, sem credibilidade, indignos do respeito dos inimigos. Réprobos, desprezíveis... inofensivos.

Três anos após a morte do líder, inverno inclemente recomendando fortemente às pessoas que não saíssem de casa, dirigiram-se os 50 ao castelo. Mataram a guarda palaciana. Invadiram então os aposendos do suserano, relembrando-lhe porque devia morrer. E o executaram para, logo a seguir, com a dignidade dos samurais, praticarem todos, ao mesmo tempo, o harakiri.

A verdade se mistura à lenda nessa história de coragem e lealdade. A bravura de hoje é tão sublime que, daqui a séculos, talves pareça mistura de lenda com realidade.

Povo notável.



* O autor é Diplomata


DANIEL MACIEL
BLOG COARI EM DESTAQUE
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