A aventura da democracia

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Leandro PrazeresEnviado especial

Em uma das regiões mais remotas do Brasil, o exercício da democracia arranca suor e exige sacrifício de quem vota e de quem quer ser votado. Distante 858 quilômetros de Manaus e com 21 mil eleitores, o Município de São Gabriel da Cachoeira tem uma geografia eleitoral peculiar: a maioria do seu eleitorado (11 mil) vive numa das 500 comunidades indígenas espalhadas por mais de 109 mil quilômetros quadrados. Nesse cenário, a reportagem de A CRÍTICA percorreu mais de 1,3 mil quilômetros em 10 dias de viagem, acompanhando a comitiva do candidato Pedro Garcia (PT) e de seu vice André Baniwa (PV), que tentam ser os primeiros indígenas a comandar o mais indígena dos municípios brasileiros. No percurso, encontramos um Brasil onde o português é uma língua quase estrangeira. Um País onde os homens da floresta, assim como os da cidade, vivem numa complexa mistura de esperança e desilusão diante da política. Nesse local, buscar os votos do interior é fundamental, mas para se chegar à maioria dessas comunidades, só existem dois caminhos: os rios ou o céu. “Não tem como fazer campanha em São Gabriel da Cachoeira sem pensar no interior. São as comunidades que decidem. É uma campanha muito cansativa”, afirma Pedro Garcia, da etnia tariano que já foi candidato a prefeito em 2004. Pelo ar
A primeira parte da viagem, iniciada no dia 10 de agosto, prova que esta não é uma campanha “convencional”. Para se chegar ao segundo maior colégio eleitoral de São Gabriel - Iauaretê, com quase 4 mil eleitores - foram necessárias uma hora e meia de vôo em um pequeno bimotor. Do alto, um manto verde escuro de árvores até onde a vista alcança. A parada em Iauaretê é estratégica. O distrito é a “caixinha de surpresas” das eleições de São Gabriel. Além de concentrar os votos da população que vive na comunidade, Iauaretê é o maior pólo de votação do rio Uaupés, onde 15 etnias convivem. “Já teve muito candidato que veio aqui e saiu certo de que venceria. No dia da apuração, vem o susto. Temos um eleitorado muito politizado e é difícil convencê-lo”, afirma padre Justino Sarmento Rezende, 47, pároco e articulador social da região. Após duas horas de discursos em tukano e em português, a comitiva embarca no avião rumo a São Joaquim, uma comunidade localizada na fronteira com a Colômbia. Por água
No dia seguinte, começou a parte mais difícil da viagem. A partir dali seriam nove dias a bordo de uma voadeira de metal com sete metros de comprimento e nenhum conforto. Os seis passageiros se acomodam entre caixas e galões de combustível. Nem prefeituráveis têm privilégios. “Nesse tipo de viagem a gente nunca tem luxo”, diz André Baniwa. Sem paradas, a viagem entre São Joaquim e a sede de São Gabriel duraria aproximadamente cinco dias, mas numa região onde a diferença entre a vitória e a derrota pode ser de 243 votos (foi por essa diferença que Pedro Garcia perdeu em 2004), todas as comunidades são importantes. Em nossa trajetória, mais de 50 comunidades foram visitadas.
Sacrifício
A viagem em busca do voto começa cedo. Às 5h, todos acordam. Às 7h, no centro comunitário (um retângulo de 4x10 metros coberto com palha) da aldeia em que se dormiu no dia anterior, é servida a primeira refeição do dia: mingau de farinha e café preto. Em seguida, todos embarcam na voadeira e seguem viagem. Em cada comunidade, o mesmo ritual se repete. Candidatos são recebidos educadamente pelos “capitães“ (caciques) que convocam os moradores do local para ouvi-los. Após a recepção, os candidatos falam e depois ouvem as reivindicações das lideranças. No caso de Pedro e André, os discursos eram em baniwa ou em nheengatu (língua geral), idiomas que André domina. Diálogo
Foi assim em Juivitera, comunidade com aproximadamente 40 famílias, no médio Içana. Valentim Paiva, 78, é um dos ”capitães“ mais velhos de toda a região. No início da noite do dia 16, ele recebe a comitiva. As mulheres preparam a refeição para o grupo enquanto os homens falam de política. “Quando os políticos vêm aqui, prometem um monte de coisas. Aí, a gente vai na sede pra pedir as coisas que prometeram e sempre dizem que não têm dinheiro. Isso, quando recebem a gente”, reclama Valentim, indignado. Uma viagem entre Juivitera e a sede de São Gabriel pode levar até quatro dias em um bongo (canoa feita com o tronco inteiro de árvores) movida por um motor de 5 hps. Valentim mora em uma das comunidades mais próximas de São Gabriel.
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