Rumo a Marte: as missões espaciais que podem mudar o futuro da Terra

 Três naves, de três países, estão chegando quase simultaneamente ao planeta vermelho em fevereiro de 2021

Por Sergio Figueiredo Atualizado em 5 fev 2021, 12h33 - Publicado em 5 fev 2021, 06h00 



Vizinho pouco hospitaleiro, isolado e áspero não deveria ser digno de atenção. No entanto, o que mais faz é justamente isso: atrair os olhares para ele. Desperta a curiosidade porque está perto e, principalmente, porque parece esconder algo importante. Para bater à porta dele, basta dar uma volta pelas redondezas a uma velocidade média de 60 000 quilômetros por hora, percorrendo cerca de 480 milhões de quilômetros em trajetória elíptica. Pronto: seis meses e meio depois, chega-se ao planeta mais parecido com a Terra no imenso condomínio que é o sistema solar. Marte é o mundo a ser estudado porque ele tem respostas guardadas em seu passado que podem iluminar o futuro da espécie humana. Por esse motivo — e talvez por outros menos nobres, como a extração de riquezas minerais —, três naves, de três países, estão chegando quase simultaneamente ao planeta vermelho em fevereiro de 2021, mês e ano que estão prestes a entrar para a história da exploração espacial.

A saga, que alcança seu ápice neste mês, começou há alguns anos, mas teve seu momento mais desafiador em março de 2020, quando a Covid-19 foi alçada à categoria de pandemia, ameaçando travar o programa espacial dos Estados Unidos, da China e dos Emirados Árabes Unidos, nação novata em fabricação de satélites e sondas. O dilema residia em perder uma oportunidade rara: Marte, que em sua órbita em torno do Sol chega a se afastar da Terra mais de 400 milhões de quilômetros, estaria razoavelmente próximo — de 100 milhões a 62 milhões de quilômetros — entre julho e outubro. A fim de aproveitar essa janela de lançamento, prevista para se repetir só no fim de 2022, as agências espaciais mantiveram o cronograma e acionaram seus foguetes em julho.

A sonda Al Amal, dos Emirados Árabes, foi lançada do Japão no dia 19, seguida pela chinesa Tianwen-1, que decolou do centro espacial de Wenchang no dia 22, e pela americana Perseverance, no dia 30. Assim, enquanto o mundo seguia mesmerizado diante da propagação do microscópico e potencialmente mortífero coronavírus, uma caravana de naves partia para o espaço sideral tendo como um dos objetivos justamente encontrar prova de vida microbiana no planeta vermelho. O esforço, entretanto, mesmo que pareça coordenado, é independente. Há um forte laço de cooperação entre o centro espacial Mohammed Bin Rashid, dos Emirados Árabes, e a Nasa (uma vez que universidades americanas ajudaram na montagem da Al Amal), mas tal colaboração não é garantida por parte da China, que mantém detalhes de sua missão em sigilo.

Antes de realizar tais façanhas, porém, o rover americano terá de fazer jus ao nome (Perseverança) passando pelo que Tom Rivellini, engenheiro-chefe da Nasa e hoje diretor da Apple, define como “sete minutos de tirar o fôlego”. No dia 18, a sonda mergulhará no planeta vermelho a 20 000 quilômetros por hora, momento em que o escudo de calor terá de suportar 1 300 graus ou mais. A atmosfera de Marte, 100 vezes mais fina que a da Terra, é boa para criar resistência no começo, mas péssima para reduzir a velocidade de um veículo de 1 tonelada, que precisará ser freado pelo mais poderoso paraquedas já fabricado. E, como tudo é superlativo nessa missão, um guindaste voador garantirá que ele pouse sem levantar detritos danosos aos instrumentos (veja o quadro). Na Nasa, os técnicos aflitos só terão notícias do rover cerca de doze minutos depois da descida, já que esse é o tempo que o sinal levará para percorrer 210 milhões de quilômetros — distância de Marte à Terra em fins de fevereiro.

Enquanto Perseverance se vira em sete minutos para alcançar a cratera Jezero, a sonda árabe já estará perscrutando o planeta, porém lá do alto. A chegada está prevista para o dia 9 e sua missão é se manter em órbita, estudando eventos atmosféricos e as violentas tempestades de areia que assolam a superfície, buscando descobrir por que a atmosfera continua se deteriorando. Não existe tecnologia hoje que transforme Marte em um mundo habitável para a espécie humana, mas os cientistas dos Emirados Árabes procuram indícios que expliquem por que os vapores de água insistem em escapar para o espaço sideral. Espera-se também que, de alguma forma, Al Amal acompanhe o progresso do colega cibernético americano na superfície.

Marte tem metade do diâmetro da Terra e um volume seis vezes menor — é pequeno diante de seus pares, maior apenas que Mercúrio. Ele está a 228 milhões de quilômetros do Sol e leva 687 dias terrestres para completar sua translação. Sua cor avermelhada vem do minério de tom enferrujado que cobre a superfície. Com temperaturas que variam de 140 graus negativos a 30 graus positivos, dependendo da região e época, ele é menos aprazível que os piores desertos quentes e gelados da Terra, uma vez que não tem oxigênio para respirar. Porém, em algum momento, mesmo que há bilhões de anos, ele foi melhor do que isso, e a humanidade precisa saber ao certo o que aconteceu com seu vizinho inóspito. Nosso futuro talvez dependa disso.

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