Bolsas de nutrição prontas não servem para todos

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Especialistas comentam riscos de que pacientes diagnosticados com insuficiência renal ou hepática sofram com bolsas prontas não adequadas às suas necessidades


Brasília, 5 de julho de 2017
- Hoje, dia 5 de julho, haverá uma audiência pública na Câmara dos Deputados para tratar de um assunto referente à saúde clínica e hospitalar; a questão da administração em pacientes de bolsa de nutrição parenteral (NP) manipulada versus a versão industrializada. Esta audiência foi solicitada pelos deputados Flávia Morais, do PDT/GO e Chico Lopes, do PCdoB/CE. Segundo especialistas da área, avaliando o tema e a propositura, parece claro que querem desestabilizar a NP manipulada, favorecendo a NP industrializada com argumentos técnicos e científicos fracos e equivocados.


A Nutrição Parenteral manipulada é definida como uma solução extemporânea e que deve atender aos critérios de preparo descritos na Portaria 272/98 de Boas Práticas em Nutrição Parenteral que garantam um ambiente asséptico e controlado.


De acordo com o Dr. Guilherme Araújo, médico nutrólogo pelo programa de residência médica do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (HCFMRP-USP) e pela Associação Brasileira de Nutrologia (ABRAN), e Diretor acadêmico do Núcleo de Terapia Enteral e Parenteral (NUTEP) de Brasília -, esta ação parece ser fruto de um lobby da indústria farmacêutica. "Não que ter bolsas prontas é ruim; elas podem ser úteis em diversas situações, como em locais pequenos sem acesso a farmácias de manipulação ou que não possuem médicos capacitados para a prescrição. Entretanto, são insuficientes em situações que necessitem maior aporte proteico ou que necessitem a manipulação de macro ou micronutrientes de uma forma mais específica, como em insuficiência renal ou hepática", explica e continua, "se você proíbe a manipulação de NP, a única alternativa que restaria seria a prescrição de prontas para uso".


Segundo o Dr. Fabiano Girade Corrêa, médico Intensivista pelo programa de residência médica do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo (HSPE) e pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB), Especialista em Nutrição Parenteral e Enteral pela Sociedade Brasileira de Nutrição Enteral e Parenteral (SBNPE) e Diretor Médico do Instituto Brasiliense de Nutrologia (IBRANUTRO), os dois tipos de bolsas são muito úteis, a depender das necessidades nutricionais de cada paciente. "Bolsas prontas para uso por poderem ser prescritas a qualquer momento, facilitando o início precoce da terapia nutricional durante períodos em que a manipulação de uma bolsa não esteja disponível, bem como em serviços em que não haja os requisitos necessários para manipulação adequada. No entanto, existem determinadas populações de pacientes que necessitam de um aporte proteico-calórico que não é possível de ser atingido com as formulações encontradas nas bolsas prontas", afirma.


Exemplos destes casos, são os pacientes obesos críticos, "que necessitam de uma quantidade de oferta proteica elevada, o que demandaria o uso de um volume de solução de bolsa pronta, muitas vezes, proibitivo pelo quadro clínico do paciente e pela quantidade excessiva de calorias totais que seria ofertada. Do mesmo modo, os pacientes pediátricos e os recém-nascidos se beneficiam da existência das bolsas manipuladas com formulações individualizadas para as necessidades específicas destas populações, que não podem ser atendidas com o uso de bolsas prontas", conclui o médico.


Nutrição Parenteral (NP)

É um método terapêutico disponível há mais de 50 anos, mas somente a partir de 1960, com a contribuição de dois cientistas, chamados pais da NP, Arvid Wretlins e Stanley J. Dudrick, a sua utilização na prática clínica passou a ser utilizada.


É utilizada quando o paciente não deve, não pode ou não quer se alimentar normalmente, como por exemplo em recém-nascidos prematuros, cujo sistema digestivo não é capaz de processar (digerir) o leite de modo suficiente à sua necessidade; em pacientes submetidos a cirurgias gastrintestinais de grande porte; pacientes com anorexia e grave risco de transtornos cardiovasculares, entre outros motivos.


Atualmente, uma nutrição parenteral completa e que atenda todas as necessidades de um indivíduo necessita de água, carboidratos, lipídeos, aminoácidos, vitaminas, eletrólitos e oligoelementos. A composição da NP deve atender às necessidades específicas do paciente, ou seja, de acordo com seu quadro clínico e pela vigência de rotina de eletrólitos, função dos órgãos, crescimento e desenvolvimento.


Industrializada ou Personalizada?

Nos últimos anos, vários produtos para NP foram lançados no mercado farmacêutico. As fórmulas de NP industrializadas ou prontas para uso (ready-to-use, RTU), possuem composição fixa, quanto ao volume, conteúdo de macronutrientes e eletrólitos e não possuem em sua composição vitaminas e oligoelementos. Sendo assim, a administração de RTU´s não permitem o fornecimento de todos os nutrientes necessários ao paciente. Nestas formulações, também não é possível a utilização de tipos diferentes de lipídeos e aminoácidos, mais apropriados a determinadas faixas etárias e ou de acordo com quadro clínico do paciente.


De acordo com a ASPEN (American Society Parenteral Enteral Nutrition), as formulações padronizadas não devem ser usadas em pacientes com as seguintes enfermidades: insuficiência renal, hepática, ou outro órgão com função comprometida; indivíduos em risco de síndrome de realimentação; intolerância à glicose; pacientes pediátricos e neonatos; adultos com composição corporal anormal; grandes perdas de fluidos gastrintestinais; doenças críticas; grandes volumes ou perdas de fluidos e eletrólitos, o que inclui a grande maioria daqueles que vão necessitar desta terapia.


A segurança e a viabilidade da Terapêutica Nutricional Parenteral (TNP) se dá através de um conjunto de ações, de processos relativos à avaliação do paciente, indicação, preparo e/ou aquisição da formulação, sua administração e devidos acompanhamentos. Mesmo que haja "padrões de fórmula", uma inadequação na sua indicação, seleção, acompanhamento ou uso, podem levar a desvios da qualidade.


É conclusivo que a TNP deve ser utilizada para recuperar e/ou manter o estado nutricional do paciente e contribuir no tratamento das enfermidades. Para que esta terapia seja eficaz e eficiente, torna-se necessário priorizar o paciente como indivíduo, com todas as suas especificidades. Do contrário, não será realizada a Terapêutica com a Nutrição Parenteral.


Complicações

Como principal complicação, por tratar-se de uma solução altamente nutritiva, é a contaminação por bactérias e fungos que colonizam os frascos. Existem poucos estudos randomizados controlados comparando bolsas manipuladas com bolsas prontas para uso, sendo que a maioria deles não mostra diferença em termos de desfecho (tempo de internação e mortalidade) quando comparadas as duas técnicas. Alguns poucos estudos apontam uma maior ocorrência de infecção de corrente sanguínea consoante ao uso da bolsa manipulada.


Em 2012, foi publicado na revista da Sociedade Americana de Nutrição Parenteral e Enteral (ASPEN) o primeiro estudo sobre o tema. Sob condução do diretor médico de uma organização que produzia bolsas prontas para uso e financiado pela mesma, o estudo apontou uma maior ocorrência de infecção de corrente sanguínea com o uso de bolsas manipuladas. As organizações que faziam uso de bolsas prontas apresentavam menor complexidade e a maioria se localizava em áreas rurais. Também não seria possível comparar a população em termos de faixa etária e diagnóstico, visto que havia maior número de pacientes cirúrgicos no grupo estudado das bolsas manipuladas. Outro fator é que os pacientes deste grupo receberam NP por mais tempo e apresentavam maior número de vias no cateter, condição que é sabida aumentar o risco infeccioso em si. Segundo o estudo, mesmo o grupo que estava utilizando bolsa manipulada ter maior tempo de internação, também foi o grupo que recebeu mais alta para domicílio, além de não ter existido diferença na mortalidade entre os grupos estudados.


No mesmo ano, outro estudo conduzido pelo mesmo autor e patrocinado pela mesma organização foi publicado. Tratou-se de um estudo prospectivo que também indicava aumento de infecção com bolsas manipuladas. Esta infecção foi diagnosticada por cultura do cateter utilizado para infusão de nutrição parenteral, porém não foi observada diferença na incidência de sepse e choque séptico (infecções graves), nem ao menos diferença nos dias de uso de antibioticoterapia, o que causa certa estranheza e permite inferir que é possível que os pacientes não apresentassem repercussão clínica, afinal, não foram tratados com antibioticoterapia diante deste achado. Não houve ainda distinção no tempo de internação e mortalidade entre os grupos.


Isso posto, aponta-se que tais evidências são consideravelmente questionáveis e é necessário que haja maior elucidação sobre o assunto, com novos estudos, antes de qualquer conclusão.


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